
Eles se reuniram no último pôr do sol a espera do burocrata da sacristia que com dois carimbos e uma caneta rubricava os pedidos do prefeito, santo, santo, santo, e o milagre da espera será desfeito. A estátua estava lá, mas ainda nua a espera do documento, pobre era o padre, pobre era o prefeito, pobre era a cidade que de uma seca de vaidades não tinha mais esperança pelo bom tempo, senão pelo desejo de ter o primeiro santo milagreiro. Ela é santa, mulher na verdade, e se Eva não tivesse criado o impasse, ainda é infinitamente preta essa santa de milagres. desconfiavam da estátua, morena, curvada e com ancas, com uma geometria pintada no corpo, lembrava a pajelança. Cubra-a, padre, nem que seja com um saco de estopa. A estopa veio, bordada, pela vizinha moralista que reclamava da santa despida. Mulher pelada no altar da sagrada família, é mulher de preto, escravo, só serve para servir os engenheiros de engenho, quem vai acreditar nesta santa no altar, e o milagre, e o milagre que não veio, reclamava o prefeito, mas o padre dizia, o milagre já veio, o que não veio foi o documento, senhor prefeito. A negra santa havia salvo três crianças de um surto de meningite que o município não quis cuidar, então a negra, dizem, salvou as crianças da meningite e morreu em seu lugar. lindo, pelo romantismo e pela saúde que urge toda fé. Mas a estopa não servia, era pobre demais para canonizar uma santa catequista, mas se pelo menos um manto de algodão crú, envolto na simplicidade do teu corpo, valeria mais, porém não sobrou nada da última estiagem que a cidade enfrentava. pegue um pedaço de chita estampada, dizia o prefeito, mas a moralista e o burocrata da sacristia, vai parecer que o milagre foi feito na áfrica de tão colorida que vai ficar a estátua, " o milagre não é uma questão de geografia" disse o padre, defendendo a chita, mas o prefeito, o quê, então o milagre não é da minha cidade! calma senhor prefeito, ainda nem temos o documento. Mas que raio é esse teu estado vaticano, que não reconhece e autoriza a urgência de um milagre? -A fé é urgente, a crença, disse o padre. -Então eu creio, padre, abra as portas de tua igreja para que o povo reverencie e louve a santa negra. -Pelada! Então vire a estátua. -Não! Quer que vejam suas nádegas. -E de frente? -Os seios e a vagina estarão presentes. -Bota uma flor e uma vela que acende! E assim seguiram, discutindo: de trás, de frente, de trás, de frente... Mas de repente, surge como providência divina, um magrelo rapaz de cabelo crespo e franja alisada caída sobre a cara com trejeitos de estilista. meio caboclo, meio moreno, desfila até a santa, e com um martelo na mão quebra todas as janelas da capela, corta as vermelhas cortinas, e rasga a renda que apoia os vasos sobre a mesa. Assim, os moradores, estupefatos diante de tanta violência, calados, diante da urgência, veem surgir o rapaz do norte com seus cortes resolvendo o problema. -É aquele rapaz que sabe fazer crochê, mas não sei o porquê, comenta admirado o burocrata. Entram os cidadãos e se ajoelham diante da obra. Ohhhhhh! e o padre contrariado, confuso e dividido, sobre a sexualidade do moreno, teve que se manter em dúvida: pela possível genialidade da homossexualidade que com apenas dois de seus dedos veste a santa com um manto de crochê e sem agulha. Gênio! Santo! E logo o prefeito contabilizava os ganhos. Milagre! veio gente do mundo inteiro, ver o vestido vermelho, bordado com os vitrais quebrados da sacristia, da capela à branca renda, enfeitava por dentro, clareando o milagre sem discordância e revelia, a cidade resolveu que a negra que morrera no lugar das crianças era na verdade suicida, santo mesmo era o estilista, que libertou a cidade da seca, que nunca mais dependeu do clima. O tempo agora era ditado pelo costureiro, coleção de verão, coleção de outono e o inverno pela certeza do prefeito, como o primeiro santo gay dos brasileiros, e assim, o burocrata, feliz da vida, fez o documento; santo estilista, o primeiro santo gay padroeiro de todos os brasileiros.
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Parabéns por seu post. Abraço.