Abra o teu sorriso que o feijão é colorido / conto erótico

O retrato de Getúlio estava lá, pendurado feito um hino na parede,  como uma clausula pétrea, anti-movimento, lembrava que o tempo é apego, sisudo, como alto-presidente, sério controlava o relógio de pêndulo, para nunca mais, e seria nunca mais se o jovem estudante, futuro engenheiro, não insistisse na vaga do quarto que alugara por um mês, mas, incerto era o acordo com o velho locatário que desconfiava da juventude: - Você, é desses engenheiros religiosos de empilhar pessoas até o céu? - Eu não construo prédios, senhor. -Mas é certo que concorda que o que está separado o pretensioso engenheiro pode unificar? -Sim, é possível, mas não construo pontes, senhor. - De um lado para o outro, dois pontos, e o branco e o preto é mulato, como um hino misturado. - É a ponte, senhor, sobre o rio que corre, alguém atravessará. - Que atravessem, pois se Getúlio estivesse vivo, jamais, jamais permitiria que o rio corresse, sem uma engenharia de cancela, dessa que abre e fecha. - É a minha especialidade senhor, eu sou engenheiro de barragem. -Barre o rio, e você jovem, engenheiro, organiza a paz. Dizia o velho locatário, dono do quarto, como um lema de seu estado. sorriu. e o jovem estudante viu no sorriso fortuito que conseguiu a vaga por mais um mês para ser engenheiro de controlar a água. - Vá, tome um banho e pode ir descansar. disse o senhor, segurando os suspensórios, e medindo com os olhos, a juventude que não o ofendera mais. Então o jovem, tomou banho e se despiu no quarto fechando a porta que não trancava, sem trincos, insistia ela entreaberta até que desistiu. e sem se importar olhou seu corpo no espelho. apertou as nádegas, fiscalizou seu doente joelho, forçou o bíceps e se exibiu como modelo. lindo, pensara sobre si mesmo. E o velho na sala, em frente ao quarto, alisara com uma flanela branca a carteira de trabalho, o antigo décimo terceiro, as férias que neste tempo a aposentadoria lhe dava, como um rito, acendia o charuto, e assistia no espelho da sala o jovem engenheiro. Sim, era o truque perfeito, um espelho no quarto e outro na sala refletindo-se por si mesmos a imagem do desejo e como a porta não trancava era todo o dia que o velho assistia a imagem naqueles espelhos: pensava sobre os bons tempos de exército apertando o charuto entre a boca, salivando sua ponta, lambendo as nádegas do jovem engenheiro em pensamentos. mas o menino, estudante atento, percebeu o truque do getulista parado no tempo, e agachou-se, fingindo secar os dedos, e fez posição de macho, apoiando-se na cama do quarto, exibindo seu desejo. O velho não aguentou, e teve que admitir, que tudo em engenharia é movimento, até o rio que corre ignorando as políticas de seus uniformes. Tocou o pé na porta e agarrou o rapaz num abraço de sufocar o espaço e mordeu, penetrou, rígido, impávido, colosso, tomando suas coxas, comeu. meteu tanto que sua força jogou o rapaz gozado na cama sem se desculpar. vestiu-se o velho como quem esconde a prova do sexo que amarra o futuro, num impulso para não ofender o senhor Getúlio. E o jovem, passado o tempo, recuperado do sexo inesperado, quebrou o gelo, passou a mão no jornal local e ofereceu um novo enredo. -O senhor vai no plebiscito sobre o concerto da barragem? perguntou o estudante. -Nunca, jamais, eu construí esta barragem com meus próprios dedos, antiga, como a velha república, trabalhei duro e minha palavra certifica que esta barragem , é tão jovem, quanto é antiga. -Mas, senhor, é obrigação votar. -Obrigação, desta jovem democracia, ditadura da maioria, que não respeita o velho respeitar. frescura de mulher esquisita, não há o que interditar. -Mas há rachaduras. reclamou o jovem. -É, mas esta é a palavra de um jovem engenheiro, metido em livros que não conhece o saber de um operário clássico: força e cimento. defendeu-se o velho e indagou o jovem : -Força e cimento, mas e o rio que corre? E correu, correu com tanta força da última chuva que estourou a barragem inundando a cidade, tomou a sala do senhor locatário, velho operário, que subiu numa cadeira , protegendo o retrato do velho presidente que havia se suicidado. enquanto o jovem tentava salvar os livros, mas... Tudo se perdeu. O jovem indignado com o velho que protegera só o retrato foi até a cidade conseguir água potável. Encontrou uma indústria chinesa distribuindo para os flagelados um novo feijão colorido de fosfatos. novidade da engenharia genética que globaliza nossos atos. Teve que aceitar o único alimento possível que era dado. e a indústria chinesa  que conhece a tragédia, alimenta e se alimenta da propaganda oportuna e certa.  voltou para casa e chorava o velho sobre o retrato, decepcionado com a barragem que ruíra,  como cartas de um jogo de tempo desfalcado. -Guarda. disse o jovem. -O que? disse soluçando o velho. -Guarda tuas lágrimas, e abra teu sorriso que o feijão agora é o colorido. O velho tomou o saco de um quilo,  enxugou as lágrimas de sua derrocada, e fez o feijão, afinal, a comida é a única coisa no mundo que não passa: todo mundo senti fome, disse o velho. mas o jovem, rindo, pegou no braço do patrão locatário, agora amigo de um tempo trágico e lhe pôs diante do espelho. sua boca estava colorida com a novidade dos feijões chineses. fosforescentes. -Minha língua, colorida! -Pois é, e ainda acende! Riu o engenheiro. -Paciência, é o que tem pra comer, depois desta enchente. O velho consentiu, sem saída, e fez piada com a novidade desta genética engenharia alimentícia. O velho, pegou os dois braços do jovem e levou para o quarto jogando-o sobre a cama, beijou, sorrindo, e disse, agora sou eu que digo, abra teu sorriso que o feijão de agora em diante será sempre colorido, mas não se espante, jovem estudante, com esta nova partida, Getúlio, não é mais o único homem da minha vida . e os dois como jovens adolescentes, se amaram cotidianamente, felizes da vida, por muitos anos ainda com seus beijos fosforescentes.






                     

Comentários

marcuss souza disse…
Impressionado. Lírico, acima de qualquer coisa. E estou apaixonado pelas cores da sua arte.
como bem disse o Marcuss ... lirismo supremo!

bjão
marcuss souza disse…
Mais uma vez obrigado pelo comentário em meu blog. São eles que me fazem continuar pintando.