
O mosteiro era uma cláusula rígida de tão antiga que suspirava os bons tempos da idade-média, copiava o monge letra por letra com tinta negra o velho livro dos sábios evangelhos antigos, mas doía os dedos de tanto segurar a pena sobre os alérgicos papiros: espirros de palavras e um acento como erro nas páginas, davam a fábula outros sentidos, era o risco, adoecer ou parar o serviço, então a poeira decupava a parábola do jesuíta tranquilo, da inquisição uma vírgula pausou o bom senso do cristianismo, e mesmo assim, copiava, copiava o monge até dar náuseas do esforço repetitivo, 500 anos repetindo o mesmo livro, o jogo das religiões, impossível, evitar os devaneios e escapismos: escreveu agonia, era o que daquela pausa do serviço lhe dava sentido, mas escreveu num papel fora do livro, e outro dia inventou uma capa com figuras geométricas, fez o monge até uma roda de bicicleta e jogava o desenho no cesto. Invariavelmente escrevia na mesa sem percebê-la a angústia da espera representada por uma esfera, no carvalho do velho móvel, mas o escriturário, copista abnegado, dedicado, um dia adormeceu. Uma cópia do sagrado parou de ser escrita e um jovem amigo na torre lhe foi fazer uma visita. -Acorda! Desperta, amigo. ou darás o atraso de uma alma por falta de um livro. -Deus, adormeci sobre o livro que eu escrevi! -O livro é teu? -Não senhor, não é meu, mas de tanto tempo debruçado creio que sou o ator do sagrado. -Tanto tempo copiando, talvez não seja engano ser você o autor deste livro tão humano. -Que isso, Monsenhor, sou um pobre copista. -Um pobre copista que adormeceu aos olhos de Morfeu? -O pecado da preguiça, cometi eu. -Aos olhos do homem desonesto, a preguiça é descanso. -Pois sim, não sei por que sou tão humano. -Esqueça, vim buscar aquela última palavra. -De alento? -Não, rabiscada, e aponta. -Oh, senhor, que constrangimento, mil perdões, escrevi esta aqui num deslize de meus cansados dedos...-Não te preocupes, monge, aproveita e completa, a palavra pelo seu sentido, escrito no desvio distraído de um monge envelhecido. -O sentido? -O poema escrito: " A angústia da espera, esfera, dou a volta e me encontro com ela, esfera, projeto minha sombra na curva da esfera que se encontra com toda angústia, toda esfera, espera, mas desta poesia de agonia geométrica, voo, com rodas de bicicletas, com rodas de bicicletas, com rodas... o sentido que se completa. -Lindo, mas da onde tirastes isso? -Dos seus rabiscos, velho amigo. -Eu escrevi isso? -Não, copiastes de teus devaneios e folgas. -Reconheço a capa. -Sim, é um desenho bonito, mas ainda não é um livro. -Dei pra ti? -Não, jogastes fora a oportunidade que eu vi. -E que oportunidade reparastes em mim. -Que ainda não é um escritor com sua lida. -Mas não sou, sou um copista. -E que escritor não copia? -O que inventa palavras. -É esta a obrigação de qualquer poeta, mas de escritores de escrituras o que importa é a oportunidade da dúvida. -Duvida? -O que o homem não sabe, o que o homem não tem. e eu sei. -O que tu sabes? -Olhe pela janela. -Olharei: quanta miséria! -Eu sei, por isso rasguei o poema e o joguei pela janela e agora creem. -Creem o que? -Que eu sei -Mas não inventastes nenhuma palavra! -Eu sei, copiei. vesti-me de camisa seda, gravata chique borboleta, sapatos de crocodilos e vendi muitos livros. com mais de um milhão construirei uma linda mansão para morar nos campos do Jordão, serei um escritor tão rico, que sairei na capa da revista, na capa da sala de espera do dentista escrevendo a grande oportunidade que a literatura deu em minha vida! -Mas senhor, isso não te faz escritor ainda, e eu, o que digo, que nada sabia? -Não, tu, tu copias! -Mas isto eu já faço. -Então repitas. -O sagrado? -Não, o mistério da vida. Disse o Monsenhor alisando as coxas do copista lentamente como uma cobra de dedos que rasteja por entre pelos até o meio de suas virilhas. -Senhor o que fazes é pecado. -Sinta! -O sexo? -Sim, e depois copias. O monge levou suas mãos sujas de tinta até o meio de suas próprias virilhas e se masturbou. -Quente. -Doce. -Sente. -Como o mastro e o vento. -Navega, e deixa. Pediu Monsenhor com a boca ávida, de joelhos prontos, engoliu o pênis do copista. minha língua lisa também é palavra. -Oh, senhor, palavra que não se registra. -Então cala. -Estou quase sem fala. -Grita! -Ahhhh. o leite. -Bebi. e era todo seu. -O que tirastes de mim? -Nada, eu apenas copiava, quer ver? Monsenhor se masturbou e ejaculou de fé. -É igual ao meu! -Sempre, nessa vida nada se cria, é sempre branco o gorduroso leite. -É quente? -Prove. O monge provou e comentou: -É, e pelo gosto será o gozo bom para sempre. -Todo mundo já vem com o óleo sagrado do que vale um livro sendo copiado? -O que quer dizer, Monsenhor, que eu passei esse tempo todo trancafiado copiando feito um tolo um livro desnecessário? -Claro, pois nada você disse sobre a origem. -Do leite? -E do amor. -Que horror, mas eu nada sabia. -Mas eu sei. -Então, Monsenhor, tu copias, és o verdadeiro copista que conhece a origem da vida. -Conhecia, mas não escrevi nada ainda. -Então, Monsenhor, escrevas. -Não posso, mas tu, tu poderás neste dia, veja. -O que é isso, da penumbra sai um filho e uma mulher! -Agora tu copias. -Mas senhor se eu te copio eu terei uma família! -Ah, então tu sabias, que o homem que se deita com uma mulher: copia. -É o sagrado. -É, mas nada se cria, todo homem só copia, então o livro por mim não será permitido, é só um bando de folhas que irão se repetindo. -Mas, senhor, e sua esposa e seu filho, e a sagrada família? -Ora se é sagrada, monge, neste mosteiro, de agora em diante você cria. E assim, saiu Monsenhor com um saco cheio de livros sobre o sagrado, deixando o seu filho e sua família com o monge para serem criados. E grita o monge: - Mas senhor o que isso, é uma troca? -Claro, só resta saber se toda troca é justa, e saiu, Monsenhor, num cavalo negro, galopante e de saco cheio.
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