O escritor ciente / Júlio Paiva



Eu era um escritor esferográfico que agulhava o papel combinado entre linhas e palavras para a denúncia, mas a poesia imaginista que me fervia a mente, era a pintura, palavra cinematográfica que eu inventara pela necessidade do querer fazer ver; e fiz. Não que eu escrevesse roteiros, muito pelo contrário, queria a palavra como dramaturgia de cores, por que o uso da literatura pela prosa poética criava um ritmo de transformar a frase reta numa curva esférica. Mas percebi que a curva me tomaria o tempo, por longos dias trancado no meu quarto; e eu que já sou ator, muito antes de ser escritor, poderia dirigir a palavra: o teatro. Por meses de porta bege, janela cinza e paredes verdes que eu mesmo havia pintado, escrevi nos muros, nas paredes do meu quarto, procurando saída para a solidão verdadeiramente sofrida, rabisquei como um presidiário que conta os dias de uma sentença que não era uma oração da língua portuguesa: geometrias, desenhos de um grafite que renunciava o papel para verticalizar as palavras, assim era o meu livro de paredes, assim era eu buscando saídas trancado na cela dos meus dias esquizofrênicos e castos. Não era o suficiente, evidente, sai para outros quartos e rabisquei mais ainda a casa que eu vivia escrevendo constelações no desespero de encontrar apenas a verdade, de toda a minha renúncia que eu não tinha consciência: era a resiliência. Mas eu desistira daquele papel de parede e voltei para o papel esferográfico. Poesia, contos, peças de teatro, em rimas pobres, médias e ricas, um ou dois espetáculos montados, e percebera o escritor-ator, que não havia se livrado do ambiente escuro de um quarto, já longo demais para suas tentativas de se libertar dos seus meios literários. Mas já era ora de expor suas obras de escritor que contava o tempo através da literatura de um senhor panfletário, gesto rabiscados que aprendeu com suas paredes, sub-textos por trás da ação, mas isso era teatro, o ator-poeta, premiado, teve um ou dois contos publicados, três ou quatros quintos lugares em concursos literários, ainda assim, um silêncio calado, mesmo que seu livro na biblioteca do estado ganhasse o prêmio de ser publicado, ele não tinha o retorno do leitor que nada dizia e ele nem sabia como reagiria o cidadão diante da obra: sem comentários. Era a nova sentença, a indiferença, nada justa para quem estava acostumado a interpretar e ter retorno do publico imediato. Risos, sorrisos, emocionados, batiam palmas como aplausos pelo reconhecimento do esforço que era o teatro, encenado, vislumbrado o ator, mas o escritor que muito dizia não sabia se estava sendo recompensado. O escritor solitário então se tocou, tocou seu corpo e o seu falo, lembrou da fotografia que lhe fez laboratarista fotográfico e tirou fotos de si mesmo num gesto auto-biográfico.  Usou o espelho e teve a imagem para apoiar a palavra muitas vezes erótica, poucas vezes pornográfica, mas queria exibir os fatos, como um livro imaginário, e sem saber aonde poderia te-lo publicado descobriu o computador que sem nenhum pudor expôs, suas coxas. A palavra agora era imagem e símbolo fálico. erótico erotismo por que eram dois, o feijão e o arroz, crônica de um cotidiano publicado, mas a gramática...Erros de sintaxe, digitava errado, era a mente do escritor exausto que se vencia pelo cansaço, trocava o narrador pelo personagem, autor que lhe implicava o verbo bem flexionado, por que era ele o verbo conjugado, então, fez um book de um notebook para romper com a solitária  obra que de si mesmo ele teria inventado. Americanos, tailandeses, poloneses e chineses, russos e brasileiros mojianos, vieram, mas ainda assim, não entraram em contato, mas insistiu, quase desistiu. Escreveu por vingança, escreveu emocionado, escreveu terminado, partido e dividido entre o sexo necessário e o sexo literário, um blogue com seu nome, assinado, e teria finalmente se comunicado, um livro para ser imprimido como antigo trato para ser lido por alguém que tivesse contribuído e outro totalmente gratuito exibindo o enredo de seu destino, o blogue de janelas e o livro como nascem os meninos masculinos, por que nem todo masculino é menino, era a ironia do seu senso crítico de uma nova era como uma prostituta honesta que não vendia o que não vivia dentro e fora das paredes do seu quarto, sexo operário da dramaturgia de um escritor ator e poeta, indignados. E com seu notebook, transformado em e-book lavou sua alma  com seu blogue e fez da sentença o que pensa, mas não sabe se ainda libertou alguém, ou se a liberdade apenas contém, um estilo literário, e assim escreveu e ainda escreve Zemene do meu eu,  como um escritor de computador, que um dia fora escriturário e fez o registro, mas não por isso é mais verdade do que fora um destino vivido: a vida é maior que a obra e a obra é apenas um dos meus sentidos: mas dai, é muito mais do que livros, pois se toda obra é literatura de morrer, mato o escritor ao escrever, e que não me venham com cruz e água ardente que da lógica da luz eu sou a sombra e estou para além da velocidade onde nada é maciço, tudo é oco e de espaço vazio e é assim que eu fico depois que escrevo e também crio: o cheio invertido do vazio.




       

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