A exposição dos ignorantes


O poeta by Júlio Paiva

Escolha um país de educação pífia e uma lei que protege sem muita regulamentação e você terá nos corredores de um museu moderno os quadros mais inusitados que parecem feitos de lápis de cor entre um jesus de oito braços, ao lado de uma criança efeminada, use o termo criança veada e meta um palavrão numa hóstia e não avise nada, nem idade, nem faixa etária, e pronto: você tem sua exposição artística para promover uma falsa sociedade libertária, mas cuidado com os boicotes do cidadão censura, que gritarão pelo belo, pela paisagem de aquarela, pela arte que se entende, aquela arte que a gente compreende, onde a cor da pele é pele, onde o cabelo louro é louro, como uma enciclopédia européia de bom gosto, afinal o que será da arte sem a cartilha, sem as regras de ouro, para moldurar a gravidade de nosso olhar já pré-definido, instituído, o bê a bá que marcha para bater continência, pois assim construiremos uma nação, sem noção, porém, não se espante se os quadros tornarem-se pernas, e criarem braços e num suspiro mágico o público se torna quadro, e vira exposição. Sim, curador, tome cuidado, e nem pense em colocar um homem nu, pelado, imitando uma escultura de Lígia Clark com seus ossos articulados, pois tem o risco de o público querer interagir no corpo do pobre coitado que fica horas deitado sendo tocado pela velhinha de sexo aposentado ou pela criança que curiosa alcança os dedos do pés do modelo entediado, que sorri enquanto aos berros reivindicam os créditos de eles serem o belo, o moralismo pintado, o verde amarelo do que fora dito por essa performance sem nossa autorização, afinal o dinheiro dos impostos é nosso, somos contribuintes, clientes que merecem estar pendurados com o aviso prévio do limite do cartão de crédito, a nossa verdadeira moral que agora dita que o mundo não é mais binário, por que nunca fora, e nós não poderemos mais ser contra ou a favor do relativo arco-íris da cor.  Ora, senhor, homem e mulher ou criança, já não basta para caber num porta-retrato na estante da sala e eu ainda tenho que explicar para o meu filho que o sexo pode ser invertido, estranho e esquisito, cheio de desvios, onde o desvio maior é expor o inimigo, mas o inimigo não se revela, ele a gente esconde numa grossa linha reta, e se isso é arte, nós brasileiros não queremos fazer parte, dessa tal reflexão, filosofia ou questão, e eu que pensava que a arte era só um quadro pendurado numa parede, agora também tem essa arte  performática com um homem nu que me faz exposto, expõe nosso corpo cheio de defeitos e gostos, e eu nem posso mais voltar atrás e acreditar que a vida é uma fileira de carteiras com aulas expositivas que copiam condutas que combinam com o tapete da sala, já não chega essa tal de arte abstrata, não é suficiente os borrões que não me dizem nada, ainda expõe minha ignorância para a visita que ri da minha cara dizendo, povo brasileiro, ainda não viu e não vê que é você o esculpido, no chão liso, fixo, e é assim que eu te exponho com teu próprio moralismo.                 

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