Uma dobra de esquina



A lua taciturna de estratégia espúria deposita-se nua para iludir o rei, era mulher invertida, negativa, bem na ponta das encruzas de calçadas úmidas, bem no encontro de duas vielas cruas, uma pedra lascada, ponto cego para uma esquina de assalto, onde a ladra aguardava o rei enquanto escorregava no ar o canivete que voava nas mãos da intrépida meliante, num ato certeiro cortou o veludo vermelho sobre os ombros do imperador, que vinha no sentido contrário, mas o imperador, mais rápido, acostumado com os golpes de estado, desferiu um raio com seu punhal nos seios de espuma da assaltante que aos pedaços flutuavam bem mais leves que a maldade irresponsável de não medir a consequência, seguida pela pretensão de tomar o que não era seu. Por entre os golpes, um corte no vestido da verde gatuna, rasgou seu semblante diante dos cavalos desesperados, muito atormentados pelo súbito jogo noturno, jogaram nus seus soldados para fora da cela, diante da oportuna ideia de libertarem-se do chicote, do coche, motorista nobre que caiu no chão e se perdeu, enquanto os soldados rasos corriam para si próprios com medo da maquiagem obscura daquela assaltante, porém, o rei lutava, em gestos de facas, em braços de cetim mulato, um murro no queixo inclinado, depositou o assalto, escorregado, escorregadio limbo dos buracos mal tapados da calçada, arrancou-lhe a peruca do imperativo assaltante, e assim ficou estirado a pobre ladra pelo seu fracasso. Mas o rei misericordioso, depois do final da luta, perguntou: por que crês que me toma o trono, homem vestido assim de feminino desgosto, de sapatos de salto, altos, despencas deitado, como um saco velho, verde e limitado. E respondeu o meliante: o limite é justamente você que me cria, natureza minha, e se eu sustento tua monarquia parte dela será minha. E surpreso disse o rei: mas com apenas um canivete, um minúsculo trepe, um segundo serelepe e pensa que a coroa cabe em vossa cabeça, que tristeza, tu nem conheces a externalidade das horas, um reinado não é um relógio. " Mas é de ouro." Respondeu de olhos vidrados o meliante. Sim, pobre-moço, efeminado, emendou o rei, porém uma dinastia não tem um único ponteiro, e por ouro não se conta o tempo. " Eu conto." afirmou a já encorajada assaltante. Levanta-te, disse o rei, que o reinado é um pêndulo. Que um dia virá para o lado de cá, completa a assaltante. Então tome, entregou-lhe o relógio o rei sábio que com muito cuidado perguntou: sabes ver? Ver o quê? As horas! Não, eu vou derreter. E como vai sustentar o teu trono? Com o próximo assalto! Bem, contemporizou o rei, tome o que me é mais precioso, pegue, eu dou-te de bom grado, é de bom gosto. Estendendo a outra mão, o rei, ofereceu como quem oferece a outra face, um punhado de dedos. Está vazio! Murmurou desgostosa, desconfiada, pois ardiloso era quele rei, pensou a assaltante. Mas insiste o rei, veja minha mão está cheio de dedos onde o tempo escorre entre os vãos de minhas virtudes e defeitos. aceite. Eu aceito, majestade, mas nada vejo, vejo apenas que são macios os seus dedos. E o rei com sua voadora de mão bem na cara do plebeu distraído e impertinente, encostou o indigente no muro da esquina pelo seu colarinho feminino e meteu a mão em sua suposta vagina ameaçando afiá-la com a língua. Quer? Perguntou o nobre com os olhos fixos, hipnotizando o súdito, já íntimo, que estupefato, respira calado, suspira, num jardim de delícias, os dentes do rei com os lábios de mão já dentro de suas nádegas, que lhe fecha os olhos e ejacula o sim. E assim, nasce o dia, abre os olhos o assaltante, que delirante, ele vestido de ela vê a carruagem fluir. Logo mete a mão no bolso e para seu desgosto o relógio não estava lá, e nem a sua espada, esvaziada, ejaculada para fora da calça por baixo do seu rasgado vestido verde, assim ele logo descobriu que não mediu o tempo do desejo que havia, o desejo tem um tempo que tem seu próprio carisma. E até hoje a ex-assaltante não sabe se o rei populista lhe roubara; ou se foi o rei que lhe deu o que verdadeiramente queria: um desejo satisfeito no encontro de duas linhas feita uma dobra de esquinas.                

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