A missa da velha consciência






Tarde vazia para um domingo, mais fácil vestir-me com minhas orações e ir até a igreja conduzi-las ao alívio da alma como flores de espinhos, doídos, frios, até ajoelhar-se diante da calma: necessária alma de todo domingo, mas os espinhos... São igrejas de um público vestido, inclinado até os sapatos, ouvia o padre e muito mais o mármore dos cânticos de louvor. Louvemos ao senhor, sim, dizia o homem com túnica geométrica e enquanto desperta, entra um grupo colorido, feliz, cantando a África. Eu me surpreendi com a menina branca, vestida de africana, e o homem negro que dança em dialetos, muito além do latim. E seguiam até o altar, deixando um gosto de terra, que me coloria e vibrava o corredor. Corri para depositar minhas orações, mas um fotógrafo no meio deste mesmo corredor sorriu e viu que era eu que cantava. Não aguentei, cantei, em dialeto incerto, senão pela fé de minha expressão que pouco se importava com o correto, e logo eram meus joelhos que vibravam no sentido de tocar o chão, dancei, sutilmente, e meus pulsos, feitos cobras de água, pediam espaço e num risco, girei. Agora era eu que dançava de saias. E um homem público, respeitável, levantava as sobrancelhas em direção ao altar, suportava com suas orações, o que ele pouco compreendia, católicos negros ilusionistas? Tambores e percussão, para música de oração? Isso não é missa. O fardo português era negro e cinza demais para um estado burocrático, para enquadrar a fé. Assim, dizia ele, ninguém assina o papel social da família. E eu pensei: a verdadeira família cristã, nem foi descoberta ainda, mas será e, enquanto Cristo não desiste, eu danço. Fui para um canto da igreja, e discreto, parti para meus gestos, de esculpir o ar, mímico do invisível, fiz minha obra. Satisfeito, mas ainda constrangido, pelo inusitado rito, apenas sorri, e vi, todo o peso do branco e do negro. E do alto, um negro padre, explica: "Hoje, aqui, na catedral de Santana, comemoramos o dia nacional da consciência negra e, por isso, tão especial é esta missa" E eu, quase aplaudi, mas me lembrei que não há aplausos na missa, pelo menos no meu tempo não havia, e mesmo que a igreja e sua renovação carismática já tenham suas torres erguidas, entre aplausos e cantorias, eu não sei se compreenderam o homem renovado que o espírito cristão inspira, quanto mais as virtudes de um casamento entre pessoas de um mesmo gênero, ou a necessária adoção de brancos, pobres, ricos ou negros, amarelos ou vermelhos, a diversidade como enredo para despertar, penso, pois amar é tempo, e sempre fora, tempo de amar. Pensei bem e resolvi: a iniciativa, eu aplaudi.  

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