O circo dos espelhos / conto de terror


O homem corria contra o tempo com os dedos sujos de sangue e marcado pela lágrima que lhe açoitava o rosto, queria ele arrancar o desgosto, salgado, do suor de um ambíguo desejo, matar o outro ou a si mesmo, e a lua do alto, ria e nada fazia, apenas filmava o homem corrido pela trilha que jamais terminava, e quando a luz fraca iluminou o silêncio, pode ouvir os dedos finos de papel, estralando escorpiões que eram costurados entre lisos fios de cabelos negros, diante da penteadeira de um espelho inteiro: a mulher de máscara branca estava nua para baixo da cintura acariciando os lábios da vagina frígida empesteada por uma gota que escorria. cínica, sorria de desejo, olhava com o canto do olho para o homem estrangeiro, e sentia prazer, toda vez que a gota purulenta caía de cima, ela se contorcia mais, e o homem olhou para cima e viu da onde vinha aquela gota amarela, bela, mas era do palhaço, pendurado de cabeça para baixo, e todo sem pele, amarrado pela espinha, mirava sua vagina na esperança de que alguém riria. O homem não riu, mas a graça era essa, a tragédia que poderia ser o palhaço acertar, uma orquídea, com uma gota sem poder tocar a flor feminina, e a mulher em tom de ira, disse: ria! O homem não riu, mas esqueceu por que corria, e o palhaço gritou lá de cima, rangendo a corda que o sustentava falou, homem mal que não me serve de platéia, vá-te embora, e completou a mulher: não te quero mais. O rapaz apenas murmurou algo como: que horror, mas diante daquela cena de luz fria, pensou se não deveria chamar a polícia que logo o ouvira, quase em tom telepata, o seu chamamento, porém o que veio foi uma senhora de um verde imundo, acompanhada pelo som da banda de metais, entra no picadeiro de costas alinhavando seu crochê de fios extensos, feitos dos nervos de um senador, bem vestido, parecia o dono do circo, com sua pança, cheia de elegância, reclamou: meus neurônios, mas que incômodo esses meus elétricos pensamentos, reclamou o senador que logo coçou o cérebro exposto. Já a senhora do crochê concentrada, com o ar de pessoa bem intencionada, olhou fundo no olho do homem e confessou: um dia será você, homem desesperado, vou lhe fazer um casaco com os teus pensamentos que jamais pensou ter pensado, será um sucesso, mas por enquanto apenas lhe machuco com este espanto: e cortou-lhe uma de suas sobrancelhas com sua agulha certeira num risco dolorido e o homem certo do perigo, correu para lá, correu para cá, fugido, onde havia, onde estava a saída daquele circo sem lona, sem janelas de portas abertas. O circo é convexo, pobre senhor, não corra, disse o senador, o picadeiro é círculo, e eu como homem que faz a lei vou lhe dar um futuro, mas não julgo, apenas pergunto: caso você suba numa cadeira e uma corda esteja no seu pescoço, é justo virar um morto no ar? Não, eu tenho família, e não se deve tirar a vida de um homem justo, ainda mais assim, no escuro. Então acenda a luz, gritou a mulher semi-nua, e mate este homem pelo desejo, senador, e a senhora do novelo de cerebelo e o palhaço pendurado balançou de um lado para o outro e eis que o circo se abriu num céu iluminado e o homem pode ver uma platéia de crisântemos em vasos bem decorados. Os crisântemos logo aplaudiram o senador, que atirava dentaduras, sujas de nicotina, para ser reeleito no próximo espetáculo, quem quer sorrir!? gritava ele, e a banda circense elevou sua música no espaço e tocou a corda no pescoço do homem com a cadeira embaixo. Um, dois, três e na terceira vez o homem flutuou morto e desacreditado.  E o circo realista se desfez desmontando o espetáculo, morrera o pobre homem diante da esposa grávida que lhe perguntara aonde ele estava, assim, suado, ausente, gritava em suas orelhas e o marido se sentindo incompetente fez as malas rapidamente batendo suas mãos num vaso de crisântemos bem desenhados, cortou os dedos no vidro do vaso e correu, pela trilha, tentando arrancar a cabeça do pescoço com os pensamentos ensanguentados, e mais uma vez na escuridão do seu desemprego, sua história se repetia quando via: uma mulher nua, o palhaço sem pele virado, uma senhora entre crochês e um elegante senador, todos por ele espelhados, e de novo a lua ria da matéria prima que é o futuro do passado, grávido, por uma unica cena que o circo da psique aprisiona no tempo e no espaço.          

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